Recentemente, o American College of Physicians passou a recomendar a acupuntura como terapêutica prioritária para as dores lombares agudas, em detrimento do tratamento farmacológico. A expetativa de muitos especialistas é que esta recomendação possa abrir um novo capítulo na história da Medicina e que técnicas como a acupuntura deixem de ser “terapêuticas alternativas”, para passarem a ser consideradas como tratamento de referência para algumas doenças. Para aprofundar melhor a eficácia e utilidade da acupuntura, o Vital Health conversou com Hélder Flor, especialista em Medicina Tradicional Chinesa. Segundo Hélder Flor, a terapêutica farmacológica e as terapêuticas como a acupuntura “têm abordagens diferentes, mas em conjunto completam-se, e é nesse sentido que devem ir”.
Vital Health (VH) | A acupuntura é uma técnica da Medicina Tradicional Chinesa. Em que consiste essa técnica?
Hélder Flor (HF) | A acupuntura é uma das várias técnicas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Em Portugal, de facto, é a mais conhecida, por ser aquela que nos é, em termos culturais, mais diferente. Não se assemelha a nenhum método utilizado no Ocidente e é diferente de tudo a que estamos habituados. Consiste na inserção de agulhas em pontos específicos do organismo (conhecidos como pontos de acupuntura) que estão localizados ao longo de meridianos (com algumas equivalências ao sistema nervoso), com o objetivo de os estimular e alcançar resultados positivos na prevenção e/ou cura da patologia.
VH | A acupuntura tem ganho relevo como terapêutica, nomeadamente nas áreas da dor e inflamação. O que está comprovado sobre a forma de atuação da acupuntura?
HF | Até há algumas décadas não existia um número elevado de estudos relacionados com a acupuntura. Com a crescente procura e divulgação a nível internacional, esses estudos são cada vez mais frequentes e mais informativos, o que tem valorizado e impulsionado esta técnica a nível mundial. Sabemos neste momento que a estimulação de pontos específicos no corpo, pontos de acupuntura, vai modelar o funcionamento dos sistemas nervoso, endócrino, imunitário e das glândulas exócrinas, estimulando assim a capacidade natural do corpo para regressar à normalidade. Assim, a estimulação das terminações nervosas existentes na pele, músculos, cápsulas articulares, periósteo, provocada pela manipulação ou pela estimulação elétrica das agulhas (eletroacupuntura), vai desencadear processos neurológicos ao nível da espinal medula e do cérebro, responsáveis pela ação terapêutica.
VH | Vários estudos clínicos evidenciam cientificamente que as técnicas utilizadas pela Medicina Tradicional Chinesa promovem o mesmo tipo de melhorias que a terapêutica medicamentosa. Em que casos está provada eficácia da acupuntura?
HF | A comunidade médica tem tido uma crescente preocupação em tentar que os doentes diminuam o consumo de fármacos. Prova disto têm sido muitas organizações médicas a nível mundial que têm aconselhado os seus membros a prescreverem menos e a substituírem essa mesma prescrição por conselhos ou práticas diferentes e por vezes mais eficazes. Um dos últimos exemplos vem dos Estados Unidos da América, mais concretamente da American College of Physicians, que foi clara e aconselhou que médicos e doentes passem a optar pelo tratamento não-farmacológico com calor superficial, massagem ou acupuntura em todos os casos de dor aguda na região lombar inferior. O documento, publicado no Annals of Internal Medicine, que assina um conjunto de “fortes recomendações” para ortopedistas e clínicos gerais, baseia a sua nova estratégia num conjunto de estudos clínicos que “evidenciam cientificamente” que a técnica utilizada pela Medicina Tradicional Chinesa promove o mesmo tipo de melhorias que a terapêutica medicamentosa, pelo que a utilização de medicamentos pode ser, em muitos casos, substituída por tratamentos não invasivos.
Apesar disso, tal como afirmado anteriormente, os estudos científicos acerca desta técnica só começaram a ser mais frequentes de há algumas décadas para cá. Assim sendo, apesar de na prática clínica observarmos eficácia em bastantes patologias, esta só foi confirmada no tratamento de patologias musculoesqueléticas, tais como artroses da anca e do joelho, dor cervical, lombalgia e dor crónica do ombro, dor ciática, arterite reumatóide e em outras situações, como cefaleia de tensão e dismenorreia. A acupuntura é também recomendada no alívio de sintomas de problemas funcionais orgânicos e no alívio da dor pós-operatória, pós-cirurgia dentária e nas náuseas, em pós-quimioterapia e gravidez.
VH | Há situações que possam ser tratadas só com acupuntura? Se sim quais?
HF | Existem inúmeras patologias que podem ser tratadas apenas com recurso à acupuntura. É frequentemente aparecerem doentes com patologias do foro psicológico, tais como ansiedade, depressão ou insónias. Surgem também bastantes casos de rinite e sinusite, tendinites, cefaleias e enxaquecas, fibromialgia, entre outras.
VH | Os médicos que praticam acupuntura provêm de alguma especialidade específica?
HF | Existem três tipos de profissionais de saúde a praticar acupuntura em Portugal: os médicos com especialização em acupuntura, os acupuntores e os especialistas em Medicina Tradicional Chinesa. Os médicos licenciam-se em Medicina e depois tiram formação complementar em acupuntura. Os acupuntores são licenciados em acupuntura. Os especialistas em Medicina Tradicional Chinesa licenciam-se em todas as áreas da MTC, ou seja, em acupuntura, fitoterapia, moxibustão, ventosaterapia e dietética.
Não existe uma predominância da proveniência destes profissionais de saúde, embora a maior parte dos médicos venham de Medicina Geral e Familiar (MGF), de Anestesiologia, e das Medicinas Física, de Reabilitação e Desportiva. Relativamente aos outros profissionais de saúde, normalmente têm origem em áreas também relacionadas com saúde, tais como Psicologia Clínica, Fisioterapia, Nutrição, Educação Física ou Osteopatia.
VH | O American College of Physicians acaba de revolucionar a sua estratégia de tratamento para as dores de costas, aconselhando que médicos e doentes passem a optar pelo tratamento não-farmacológico com calor superficial, massagem ou acupuntura em todos os casos de dor aguda na região lombar inferior. Qual a importância desta normativa?
HF | Cada vez mais se assiste à tendência de integrar as duas Medicinas. Ambas têm o mesmo propósito. Ambas querem tratar, curar e prevenir. Têm abordagens diferentes, mas em conjunto completam-se, e é nesse sentido que devem ir. E, no fundo, foi isso que o American College of Physicians veio dizer: “não mediquem desnecessariamente os doentes com fármacos, porque há soluções igualmente eficazes no alívio das dores”. Trata-se de um “abrir” portas quer ao nível do Serviço Nacional de Saúde (SNS), quer da clínica privada. Já não se trata apenas da Organização Mundial da Saúde (OMS), outras instituições estão a “fazer força” nesse sentido. Integrar as duas Medicinas para alcançar o mesmo fim.
VH | A expectativa de muitos especialistas é de que esta recomendação do American College of Physicians possa abrir um novo capítulo na história da Medicina americana. Relativamente a Portugal, qual a aceitação da acupuntura por parte da comunidade médica e científica?
HF | Trabalho nesta área há 13 anos e tenho, felizmente, assistido ao evoluir dessa situação em Portugal. Se antigamente ir ao acupuntor estava ligado ao esotérico, ao místico e ao “vão de escada”, hoje em dia ligam-nos a pedir informações sobre ventosoterapia e moxibustão. Isto era impensável há cinco anos atrás. Na minha opinião, estamos a evoluir no caminho certo. Já se fala em integrar a MTC no SNS. Cada vez mais, a comunidade médica e científica se rende a esta Medicina e aceita-a pela sua vasta demonstração empírica dos factos ao longo de milénios. Muito deste trabalho tem sido feito pelos doentes que informam o seu médico de que estão a ser acompanhados por um acupuntor ou por um especialista em MTC e revelam os bons resultados que alcançam. No Ocidente estamos no início do caminho. Iremos conseguir demonstrar cientificamente cada vez mais que resulta? Sim. Por enquanto, rendemo-nos aos factos milenares.
Artigo publicado pela News Farma: